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Rechaçamos uma ALCA com a europa ! O Tratado de Livre Comércio UE-Mercosul é lesivo para nossos povos

Rechaçamos uma ALCA com a europa ! O Tratado de Livre Comércio UE-Mercosul é lesivo para nossos povos

17-12-2010

As negociações para a conclusão de um Acordo de Associação Interregional entre o Mercosul e a União Européia, paralisadas desde 2004, foram retomadas com força e com vontade política e muito pragmatismo este ano. A União Européia, em crise desde 2008, vê na expansão dos interesses de suas transnacionais para com o Mercosul e outras regiões uma parte da solução para seus graves problemas sociais, ambientais, econômicos e políticos.

Em nota publicada em 2004, um amplo conjunto de organizações e movimentos sociais do Mercosul e da União Européia afirmam : “As organizações e movimentos da região, que fizemos a Campanha Contra a ALCA no Cone Sul, queremos tornar pública e fundamentar nossa oposição a este acordo nocivo com a União Européia, que coloca em jogo nossa soberania, nosso futuro e as possibilidades de avançar uma verdadeira integração sustentável no âmbito sub-regional e com os povos europeus. Em troca de supostos ganhos para alguns poucos setores agroexportadores, nossos governos do Mercosul estão sendo pressionados a entregar setores chave de nossas economias à competição desigual com as grandes empresas transnacionais européias, em áreas como bens industriais, pesca e transporte marítimo, seguros, serviços ambientais - inclusive água e saneamento - serviços financeiros e de telecomunicações, compras governamentais, normas mais restritas de propriedade intelectual que impedirão a transferência de tecnologia e facilitarão a biopirataria e a apropriação indevida do conhecimento associado ao uso da biodiversidade - além de trazer uma afronta ao acesso a medicamentos - garantias jurídicas adicionais aos investidores europeus, etc. Declaramos que esta barganha é absolutamente inaceitável, bem como a total falta de transparência com a qual estão sendo conduzidas as negociações.”

Reiteramos nossas preocupações e demandas, que se revelam ainda mais graves e urgentes frente à agressividade da EU nas atuais mesas de negociações.

Expressando com nitidez como a EU percebe a importância atual da conclusão de tratados de livre-comércio (TLCs) com outras regiões e da Rodada de Doha da OMC, o Comissário Europeu de Comércio Karel De Gucht afirmou recentemente que “o comércio deve ser parte da estratégia de saída permanente da atual crise econômica (...). Diminuir tarifas de importação ainda é importante, mas agora o peso de barreiras comerciais está em outro lugar. Além da remoção de barreiras regulatórias, isto significa acesso a mercados de serviços e investimento, abrindo espaço nas compras públicas, melhor proteção da propriedade intelectual, e fornecimentos mais confiáveis de matérias-primas e energia. Completando nossa agenda comercial multilateral e bilateral e tornando ainda mais significante o progresso de nossas relações econômicas com parceiros estratégicos, poderia levar até 2020 a um PIB da UE 1% maior do que seria se não houvesse estas iniciativas. (...) Primeiro, nós iremos continuar a trabalhar para conseguir um acordo em relação à Doha ; nós esperamos ver engajamento político real para fechar o acordo em 2011. Em segundo lugar, nós devemos, de qualquer forma, começar a olhar além de Doha (...) para ajudar a dar forma à visão européia do futuro e o funcionamento da OMC após Doha. Em terceiro lugar, na fronte bilateral, nós queremos completar o processo de aprovação de tratados comerciais com a Coréia do Sul, ACTA, e ao final do ano com a América Central e com o Peru e a Colômbia. Esta Comissão irá continuar a trabalhar duro para conseguir concluir todas as suas negociações, particularmente todos em estágios mais avançados - Índia, Canadá, Cingapura, Ucrânia e Mercosul ; todos estes são difíceis e alguns são politicamente sensíveis - mas também com potencial para serem fechados em 2011.”

Vemos com grande preocupação o avanço das negociações, sobretudo nos setores de agricultura, bens industriais, compras governamentais e propriedade intelectual.

Sobre as negociações agrícolas, a aposta de nossos governos em sustentar esta suposta integração econômica no aumento das exportações de origem agropecuária e agroindustrial supõe dar prioridade à agricultura para exportação, no lugar da agricultura familiar e camponesa voltada ao abastecimento alimentar de nossa população. A agricultura para exportação, baseada em grandes extensões de monocultivos, beneficia somente uma ínfima minoria dos agricultores da região (os grandes produtores latifundiários). Enquanto isto, gera um êxodo rural, maior concentração de terra, perda de biodiversidade (sendo uma das atividades que mais contamina água, solo e ar), e provoca outros problemas ambientais graves, como a proliferação de cultivos transgênicos para exportação.

As negociações sobre produtos industriais são também um item de forte interesse europeu para mitigação da sua crise no curto prazo. Tal interesse em estimular as exportações de manufaturados - um dos principais itens da sua pauta exportadora ao Mercosul – deve-se a que isto se traduziria rapidamente em melhoras nos altos índices europeus de desemprego. Entretanto esta liberalização no âmbito do Mercosul poria em perigo o processo de re-industrialização da nossa região e de diversificação da estrutura produtiva com agregação de valor no bloco do sul, afetando também o emprego industrial e particularmente o emprego feminino - maior nos setores de menor competitividade relativa, e inclusive reduzindo empregos de melhores ingressos que os empregos agrícolas. E isso em um momento em que os setores de produção industrial no Brasil já estão impactados por um câmbio sobrevalorizado. Além disso, uma maior entrada de produtos industriais europeus pode prejudicar a montagem de cadeias produtivas regionais no MERCOSUL.

As negociações de preferências para a UE nas compras do setor público nos países do Mercosul são, a nosso ver, inaceitáveis. Os países do Mercosul estão dando sinais de que farão "ajustes" em suas posições de modo a aceitar a abertura aos europeus para compras governamentais no nível federal. Trata-se de uma concessão muito grave porque poderia abrir o precedente para a UE passar a participar de concorrências de compras do setor público que, nos países do Mercosul, são um instrumento fundamental de políticas públicas. As compras governamentais são cruciais para a preservação do direito e da capacidade do Mercosul em fazer políticas públicas nacionais, inclusive políticas industriais autônomas, e por isso não podem ser oferecidas preferências aos europeus. Também podem ser, pela previsão de investimentos governamentais massivos na região, um forte elemento de estruturação de cadeias produtivas regionais, caso não sejam cedidas encomendas a outros mercados para além da região.

Um dos pontos mais graves na agenda de interesses ofensivos da EU é em propriedade intelectual. A EU vem apresentando ao mundo uma agenda ofensiva em relação à propriedade intelectual (PI) com graves conseqüências para a saúde pública - com ênfase para o acesso a medicamentos - e para o acesso a cultura e ao conhecimento. A estratégia multidimensional da Comissão Européia (CE) inclui tratados de livre comércio (TLC) com países em desenvolvimento, assim como negociações a portas fechadas - como o Acordo de Comércio Anti-Contrafação (ou ACTA).

Por esta razão, é fundamental que os negociadores dos países que compõem o Mercosul não aceitem a incorporação de dispositivos do tipo TRIPS-plus e não endossem cláusulas que contribuam para o chamado enforcement de propriedade intelectual. As políticas da Comissão, apesar de assegurarem o contrário, também ultrapassam as regras internacionais de comércio estabelecidas no âmbito do Acordo TRIPS (ver mais informações no Anexo II). Outras prioridades da UE em propriedade intelectual são as indicações geográficas, as marcas comerciais e os direitos autorais.

O acordo é ilegítimo e nocivo para nossos povos

As negociações têm se desenrolado sem transparência. Ao contrário das negociações da ALCA e no âmbito da OMC - onde, depois de anos de luta e reivindicações, as organizações sociais conseguiram conquistar o acesso a documentos e, em alguns casos, inclusive a reuniões oficiais - nas negociações entre UE-Mercosul, não temos acesso aos documentos de negociação . Exigimos que os pormenores das negociações sejam disseminados ; que antes de cada reunião, a sociedade conheça as propostas com as quais o Mercosul concorda e o conteúdo proposto pela UE.

Outrossim, vemos vários exemplos de incoerência no discurso da EU que fala em erradicação da pobreza, coesão social e apoio a integração regional enquanto são cada vez maiores as evidencias de que seus interesses são o aproveitamento das riquezas naturais, o lucro para suas transnacionais em detrimento dos direitos das e dos trabalhadoras/es e que inclusive não tem hesitado em fragmentar processos antigos de integração como a CAN e o SICA.

Reafirmamos nosso compromisso na construção de laços de integração cada vez mais fortes com os povos europeus, mas fundamentados em critérios de solidariedade, igualdade, justiça e complementaridade, e em respeito aos direitos humanos de nossos povos. Exigimos políticas conjuntas de geração de empregos e que os direitos sócio-laborais sejam protegidos, sendo priorizados sobre os objetivos de liberalização comercial, com base na Declaração Sócio-Laboral do Mercosul e a Carta de Direitos Fundamentais da União Européia.

Portanto, exigimos dos negociadores e dos governos do Mercosul que :

 parem imediatamente as negociações ;

 dêem absolutamente transparência aos parlamentos da região e aos movimentos sociais sobre os conteúdos do processo de negociação ;

 avaliem os impactos sócio-ambientais e econômicos da liberalização ocorrida nas últimas décadas na região ;

 realizem consultas populares e setoriais antes de reiniciar quaisquer negociações ;

 envolvam os parlamentos nacionais plenamente em todas as etapas das novas negociações, antes da assinatura de qualquer acordo ;

 não levem adiante negociações de livre comercio que erodem a soberania dos países e limitam as possibilidades de integração regional ;

 não assinem o acordo com a União Européia.

Rechaçamos o TLC EU-Mercosul e exigimos que nossos governos parem as negociações !!

REBRIP – Rede Brasileira Pela Integração dos Povos


 source: Enlazando Alternativas