A Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul Americana (IIRSA) e seus objetivos

A Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana (IIRSA) e seus objetivos

Maria Angela Comegna

Os tratados de integração regional têm sido um dos temas mais relevantes nas relações internacionais. Praticamente todos os países do Planeta integram blocos, pois grande parte do comércio mundial ocorre por meio dessas instituições regionais.
Segundo Senhoras e Guzzi,
O processo de abertura das fronteiras nacionais, naturalizado na proliferação de integrações regionais tem sido interpretado como uma escala intermediária entre a escala nacional e a escala global, que nasce de uma evolução complementar à escala multilateral para abertura internacional. Os esquemas de integração regional transnacional no mundo constituem espaços de conglomeração estatal que entraram definitivamente na agenda do sistema internacional no pós- Guerra Fria por meio de duas ondas de regionalização, nas décadas de 1950 a 80 e de 1990 até os dias atuais. (Senhoras e Guzzi s.d, 2)

Dentro desse contexto, destaca-se a IIRSA - Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana, o maior programa de integração física proposto para a América do Sul, um acordo que objetiva a criação de uma ampla rede de infra-estrutura para conectar os países do continente e incentivar as relações econômicas e o fluxo de pessoas, através de um conjunto de projetos na área de logística, de energia e de telecomunicações, sendo o destaque principal dado aos dois primeiros setores.
Assim, desde o começo, a IIRSA “contemplou uma série de princípios orientadores em que se concentra um maior nível de mudança qualitativa das relações internacionais através da integração físico-regional.” (Senhoras e Guzzi s.d.,p.2).

Inicialmente, a IIRSA foi planejada para preparar a base da Área de Livre Comércio da América do Sul (ALCSA). Essa base seria estabelecida através de eixos de desenvolvimento nos quais se situam os principais projetos que deveriam formar uma plataforma física de livre fluxo de mercadorias, visando potencializar as rotas de livre comércio e de desenvolvimento das populações locais de cada país, se constituindo ainda nos primeiros esforços para a construção da União Sul Americana (UNASUR).
Concebida dentro dos princípios do regionalismo aberto , a IIRSA foi criada em 2000 em Brasília pelos 12 países sul-americanos representados pelos seus respectivos presidentes (só a Guiana Francesa não aderiu), através de projeto apresentado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Essa primeira reunião de presidentes da América do Sul foi realizada nos dias 31 de agosto e 1o de setembro do ano 2000 em Brasília, Brasil, onde também fizeram parte da reunião os presidentes da Corporação Andina de Fomento (CAF) e o presidente do BID. A partir desta data, as reuniões passaram a se realizar a cada dois anos.
Durante o encontro, formulou-se um documento, o Comunicado de Brasília , no qual foram ressaltados os principais temas abordados durante a reunião, visando estabelecer as bases para a promoção do desenvolvimento da América do Sul.

Neste documento, os presidentes se comprometem a manter a paz em todo o território compreendido pelos doze países integrantes, mediante a criação de uma Zona de Paz Sul Americana, além da manutenção da estabilidade política com base na democracia, da promoção do crescimento econômico da região e da justiça social e do combate ao narcotráfico e à lavagem de dinheiro.
Nesta ocasião foi ressaltada a importância da informação, do conhecimento e da tecnologia, bem como a necessidade do acesso à INTERNET por parte de toda população. Também foi reafirmado o apoio aos tratados de integração de todo o continente americano e, especialmente, à integração da América do Sul, sendo acordado um Plano de Ação para sua execução, elaborado pelo BID e apoiado pela CAF, entre outros organismos (Uruguay Sustentable-Redes 2006, 36).

A segunda reunião ocorreu em Guayaquil, Equador, nos dias 26 e 27 de julho de 2002. Nesta reunião foram reafirmados os temas mencionados em Brasília e se discutiram os trabalhos realizados em cada país para se atingir os objetivos acordados no primeiro encontro.

Ainda no segundo encontro, ressaltou-se o papel da IIRSA no incentivo da participação da América do Sul na economia global e na integração social da região.

A terceira reunião ocorreu em Cuzco, Peru, em 8 de dezembro de 2004, onde foi criada a Comunidade Sul Americana de Nações, objetivando um futuro comum para os países integrantes.

O argumento para a criação da Comunidade utilizado nessa ocasião foi a existência de uma história comum a todos os povos da região, sendo que essas semelhanças explicariam a situação atual desses países no que tange às problemáticas políticas, sociais e econômicas (Uruguay Sustentable-Redes 2006, 36). Esta Comunidade está a cargo dos Ministérios de Relações Exteriores de cada país.

No documento intitulado Declaração de Cuzco elaborado durante a reunião, os presidentes dos países participantes enfatizaram as vantagens de uma integração regional para a América do Sul, que permita posteriormente uma integração econômica da América Latina e do Caribe, visando alcançar uma posição de maior destaque em todos os aspectos para a região, incluindo o comércio em nível global.
Além dos governos dos 12 países sul americanos, estão envolvidos na formulação e implementação da IIRSA o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Corporação Andina de Fomento (CAF) , o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Rio da Prata (FONPLATA), o BNDES do Brasil e empresas brasileiras como a Odebrecht, Petrobrás, Andrade Gutiérrez, Companhia Vale do Rio Doce, General Eletric (GE) e a América Latina Logística (ALL), observando-se a confluência de interesses entre governos, setor financeiro e grandes corporações na criação de novas territorialidades.

A IIRSA também envolve outras instituições, como a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização do Tratado da Cooperação Amazônica (OTCA).

A Iniciativa pretende, através de dez eixos de integração, muitas vezes interligados e criados para facilitar o reordenamento territorial da América do Sul, traçar novas rotas adequadas à geografia econômica do presente século.

Esses Eixos são: Andino, Escudo das Guianas, Amazonas, Peru-Brasil-Bolívia, Interoceânico Central, Capricórnio, Mercosul-Chile, Sul, Hidrovia Paraguai-Paraná e Sul Andino.

Dos quatro eixos da IIRSA que recortam a Amazônia, três tem sua expansão rumo ao Pacífico e apenas um rumo ao Caribe, evidenciando que a integração continental da América do Sul liderada pelo Brasil, tem objetivos geoestratégicos muito específicos de inserção na economia internacional.

O Eixo do Amazonas é considerado um dos principais da Iniciativa não só devido ao seu caráter estratégico, mas também devido às potencialidades e riquezas naturais da região, considerando a Amazônia uma região de importância primordial no desenvolvimento dos processos de integração física, das comunicações e da energia, que permitirão aproximar os mercados intra-amazônicos (IIRSA 2009).

A IIRSA procura estabelecer rotas dentro do território amazônico que combinem o momento do traslado com o da extração ou produção de tudo o que potencialmente pode se converter em lucro (Ceceña e Motto 2007), tratando-se de uma nova escala para pensar e agir na região (Becker 2005).

Desta forma, a Região Amazônica torna-se o centro do continente, mesmo não sendo a parte do continente onde passam os fluxos mais densos, localizados ao sul. (Thery 2005)

Segundo Senhoras e Guzzi,
Sendo elaborados em nome da integração sul americana e implantados com o discurso da interiorização do desenvolvimento econômico e de garantia da segurança nacional, os eixos de infra-estrutura que recortam a Amazônia e o Pacífico apresentam um caráter fechado quanto às decisões de sua implantação, incentivos e subsídios estatais e ainda uma controversa análise sobre as alterações socioeconômicas, culturais e ambientais que causam às regiões.(Senhoras e Guzzi s.d., 3)

Assim, apesar da IIRSA ter como objetivo a promoção do desenvolvimento da infra-estrutura com base em uma visão regional, através da integração física dos países da América do Sul e da conquista de um padrão de desenvolvimento equitativo e sustentável (IIRSA 2009), verifica-se que o projeto não foi pensado como proposta de aproximação entre países e as suas populações, mas sim como incorporação e/ou adaptação de territórios, de modo que estes possam trazer benefícios de interesse ao capital.

A Iniciativa obedece ao modelo de liberalização dos mercados, privatização e extração de recursos, onde se observa que um dos seus principais objetivos é o de facilitar a exportação de matérias-primas. Para isso, prevê 507 grandes obras em 20 anos, com um investimento total estimado em 70 bilhões de dólares.

Com essas obras, rios, populações e regiões inteiras poderão ser entregues às grandes empresas, em nome de um desenvolvimento cujos custos e benefícios não têm sido ainda corretamente mensurados (Verdum 2007).

Assim, pode-se afirmar que, além de manter a dependência da América do Sul em relação às nações ricas, a IIRSA poderá aprofundar as assimetrias internas e regionais, introduzindo os produtos do Brasil, o principal impulsionador da Iniciativa, nos demais países do continente.

A maior parte das obras previstas da IIRSA encontra-se fora do Brasil e em áreas fronteiriças. Desta maneira, a escala regional das obras previstas na IIRSA se consolida, assumindo proporções espaciais maiores, com o conseqüente aumento de conflitos sociais e ambientais, decorrentes do uso cada vez maior do ambiente natural devido à expansão da economia (Martinéz Alier 2007, p. 14).

A Iniciativa segue uma estratégia de integração regional, segundo a qual regiões relativamente intocadas e portadoras de um rico patrimônio da diversidade sócio cultural e ambiental do continente, como a Região Amazônica, sejam vistas, ora como “obstáculos naturais” a serem superados para alcançar o crescimento econômico, ora como recursos estratégicos (Ceceña e Motto 2007).

Esta Iniciativa está sendo implementada de forma isolada e sob um total desconhecimento da sociedade, o que explica a ausência de participação por parte das comunidades locais, alijadas de uma possível integração interna, resultando, portanto, somente numa integração física do continente que tem por objetivo a eficiência do mercado. Por fim, cabe ressaltar a falta de um marco jurídico para institucionalizar os princípios da integração nos doze países.

Referências biliográficas

BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estud. av. [em linha]. 2005, vol. 19, no. 53 [cited 2008-08-16], pp. 71-86. <http://www.scielo.br/scielo.php?> Acesso em 20 jul. 2008.

CECEÑA, Ana Esther, AGUILAR, Paula, MOTTO, Carlos. Territorialidad de la dominación. Integración de la Infraestructura Regional Sudamericana (IIRSA). Buenos Aires: Observatorio Latinoamericano de Geopolítica, 2007. 60 p.

IIRSA. Iniciativa para la Integracion de la Infraestructura Regional Suramericana. [Em linha] <http://www.iirsa.org/> Acesso em 08 jun. 2009.

MARTÍNEZ ALIER, Joan. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valoração. São Paulo: Contexto, 2007.

SENHORAS, Elói Martins, GUZZI, André Cavaller. A Amazônia, o Pacífico e a problemática da integração e infra-estrutura regional na América do Sul. s.d. 20 p. [Em Linha] <http://www.santiagodantassp.locaweb...> Acesso em 20 jan. 2009.

URUGUAY SUSTENTABLE-REDES. IIRSA.Otro paso em la explotación de los pueblos y territórios sudamericanos. Montevideo: Uruguay Sustentable-Redes-AT, 2006.

VERDUM, Ricardo. Infra-estrutura e políticas territoriais do Brasil no contexto da integração sul. ADITAL, 21 nov. 2007.< http://www.adital.com.br> Acesso em 14 jan. 2009.

THERY, Hervé. Situações da Amazônia no Brasil e no continente. Estud. av. [online]. 2005, vol. 19, no. 53 [cited 2008-08-16], pp. 37-49. <http://www.scielo.br/scielo.php?> Acesso em 20 jul. 2008.

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