Negociações Mercosul-União Européia: Um recomeço que não tem fim?

Negociações Mercosul-União Européia: Um recomeço que não tem fim?

REBRIP, 16-7-2010

Entre os dias 29 de junho e 2 de julho realizaram-se formalmente em Buenos Aires, Argentina, as primeiras das novas reuniões entre as delegações do Mercosul e da União Européia. O objetivo do processo de negociação é tentar fechar um acordo de cooperação baseado em três pilares: diálogo político, cooperação e comércio. Na prática, como já tivemos claro no processo de negociação que estancou em 2004, os capítulos do acordo referentes a diálogo político e cooperação não apresentam nem dificuldades nem novidades, e por isso mesmo, a avaliação era àquela altura que, em se fechando o capítulo de comércio, os demais fechariam quase que automaticamente, o que não deve ser diferente agora.

A diferença parece se encontrar nas discussões do capítulo de comércio, e essas apenas aumentaram desde 2004. Naquele momento, as partes avaliavam que boa parte das dificuldades poderiam ser resolvidas por um acordo no processo de negociação da Rodada Doha, da OMC, que resolveria temas como acesso a mercados agrícolas e subsídios, que eram, e seguem sendo, os nós das negociações bi-regionais. Superados esses pontos, se abriria um corredor para o fechamento do acordo. Depois de idas e vindas, a maré favorável a um acordo na OMC refluiu, especialmente com a explicitação de uma crise aguda e multifacetada do sistema internacional a partir de 2008. Desde lá, apesar de muitos documentos dos líderes de governos do G20 financeiro terem reafirmado a necessidade de conclusão urgente da Rodada Doha, esse objetivo foi ficando tão afastado a ponto de, no último documento dos líderes, na reunião de Toronto, Canadá, eles terem retirado qualquer referência de prazo para a conclusão da Rodada, se curvando finalmente aos fatos.

É nesse quadro que se retomam formalmente as negociações bi-regionais, onde, além disso, a situação econômica é de crescimento nos países do Mercosul, e de crise aguda na Europa. Ou seja, de um lado, qualquer abertura na área de serviços e bens industriais por parte das aquecidas economias do Mercosul levariam a desviar para importações parte da demanda por produtos e serviços que poderiam aquecer a produção interna, constrangendo as balanças comerciais e, por tabela, colocando dificuldades adicionais para a gestão dos balanços de pagamentos nos países da região. No caso da União Européia passa o contrário, com economias estagnadas e tentando buscar espaços nos mercados externos a todo vapor, mas também defensivas em relação a quaisquer concessões que poderiam afetar ainda mais suas combalidas economias, especialmente os países da chamada “periferia européia”, que competem mais diretamente com produtos agrícolas, agrícolas processados e manufaturados menos sofisticados que podem chegar do Mercosul. Assim, está dada uma equação que nem tem muita saída, ao menos nesse momento. Por isso, algumas declarações desanimadas nos últimos dias de altos funcionários e inclusive ministros, no caso brasileiro, reiterando a dificuldade de se chegar a algum lugar nesse processo de negociação.

Enquanto os europeus falam, inclusive através de moções no parlamento europeu, em tentar conseguir mercados sem fazer qualquer concessão, especialmente em agricultura, os membros do Mercosul sabem que significaria chegar a um acordo sem conseguir avanços em acesso a mercados para produtos agrícolas e agrícolas processados. Curiosamente, na reunião de Buenos Aires, ao menos das conclusões finais divulgadas, não consta qualquer referência à discussão agrícola.

No caso do Brasil, deve complicar o processo negociador o fato de estarem em andamento nesse momento as campanhas eleitorais no país, e qualquer visualização de eventuais “setores perdedores” pode levar a desgaste eleitoral (e empresários industriais e trabalhadores desse setor têm muito a perder com a redução das defesas comerciais face aos exportadores europeus, com empregos, salários, produção e lucros). O Brasil é a mais expressiva economia do Mercosul e tem nesse semestre a Presidência Pró-Tempore do bloco, no revezamento semestral entre os países membros.

Acreditamos que as profundas assimetrias econômicas e tecnológicas entre MERCOSUL e UE, somadas às fragilidades políticas do primeiro, tendem a produzir um acordo comercial desigual, onde as vantagens a serem obtidas pelo lado mais fraco, MERCOSUL, tornam-se artificiais se comparadas às grandes desvantagens que este bloco sofrerá caso assine o acordo.

REBRIP – Rede Brasileira Pela Integração dos Povos

Rio de Janeiro, 16 de julho de 2010.

source : ALAI

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